ADUR Online #52: Imaginem as possibilidades!
ADUR Online
2 de agosto de 2021
Por Daniela Zanetti
Uma recente campanha publicitária de uma empresa de telefonia está divulgando o lançamento de uma plataforma de ensino a partir de uma parceria estabelecida com uma grande rede privada de educação. Como informa o comercial, trata-se de uma plataforma de ensino digital para ser usada em aparelhos celulares. Além de “descontos em cursos de graduação”, os usuários da operadora também podem ter acesso a “cursos grátis”. “Imagine as possibilidades!”, sugere a garota propaganda, enquanto as imagens mostram jovens sorridentes mirando a tela de seus telefones móveis. Mesmo parecendo tão inofensivo, com tanta gente bonita e feliz, o comercial anuncia um tipo de produto que pode trazer mudanças significativas – para pior – nos modelos e nas práticas de ensino superior país afora.
Desde o início da pandemia de Covid-19 no Brasil, em março de 2020, muito tem sido dito sobre como a crise sanitária pela qual passa o país explicitou sobremaneira as contradições do capitalismo e principalmente as nossas desigualdades sociais. Com a impossibilidade das aulas presenciais, o ensino remoto se tornou a alternativa mais viável para se evitar a interrupção das atividades educacionais em diversos níveis escolares. Nesse processo, as condições de acesso à Internet e a certos dispositivos tecnológicos também se revelaram extremamente desiguais, bem como as condições efetivas de ensino/aprendizagem a partir do ambiente doméstico. Ficou demonstrado que, mais uma vez, pobres, pretos e periféricos – público que hoje compõe boa parte do corpo discente das universidades públicas – ficariam mais uma vez prejudicados no que se refere ao acesso à educação superior.
Com a pandemia, as universidades públicas brasileiras tiveram apenas alguns meses para se adaptarem e encarar o desafio de implementar modelos de ensino remoto e incluir digitalmente boa parte de seus estudantes, muitos desprovidos de equipamentos adequados e acesso à Internet de boa qualidade. E isso sem contar com apoio ou recursos extras, pois, submetidas à péssima gestão do atual Ministério da Educação, universidades e institutos federais estão desde o governo de Michel Temer sofrendo cortes orçamentários cada vez maiores.
A proposta que está em curso de se implementar um “Reuni Digital” tem tudo para efetivar o desmonte das universidades públicas e o fim de práticas educacionais emancipatórias, não atreladas ao mercado e desvinculadas de empresas que buscam apenas lucrar com a educação. Corre-se o risco de vermos o ensino remoto – inicialmente temporário e emergencial por conta da pandemia – ser adotado como um modelo permanente sob o argumento de que se ampliará o acesso à universidade pública, mas está claro que se trata de uma proposta que visivelmente traz prejuízos ao modelo de educação que defendemos para as universidades públicas. Assim como o Future-se – lançado em 2019 ainda durante a deplorável gestão do ministro Weintraub, e prontamente recusado pelas universidades frente ao risco de privatizações camufladas –, o Reuni Digital é um projeto de caráter muito duvidoso (como tudo o que se vincula ao atual governo), e que pode retirar ainda mais recursos das universidades e institutos federais, precarizar as condições de trabalho dos docentes, piorar a qualidade do ensino e implementar a lógica de privatizações dos serviços públicos.
Nesse contexto, frente a mudanças tecnológicas tão rápidas, parcos recursos e um desgoverno que não valoriza nem a ciência nem a educação, como as universidades e institutos de ensino federais resistirão ao avanço do ensino remoto desmedido? Como, por outro lado, poderão nossas universidades federais se atualizar tecnologicamente para fortalecer uma educação inclusiva, de qualidade, transformadora e emancipatória, e criar alternativas reais para a ampliação de vagas sem comprometer sua autonomia? Imaginem as possibilidades de melhorias efetivas da educação e da ciência no Brasil se voltássemos a ter mais investimentos públicos nessas áreas!
*Daniela Zanetti é professora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
*ADUR ONLINE é um espaço aberto aos docentes e pesquisadores da UFRRJ e de outras Universidades também. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.
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